O governador de Pernambuco, Paulo Câmara (PSB), editou nesta segunda-feira (6/4) decreto que proíbe acesso às praias e ao calçadão nas faixas de beira-mar e de beira-rio. Também estão incluídas na medida os parques localizados no estado. A restrição de acesso é válida até o dia 13 de abril. Mais de 300 profissionais trabalham na fiscalização.
O governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, já havia proposto medida semelhante. A ConJur ouviu especialistas para saber se o decreto do governo pernambucano tem respaldo legal.
Para o advogado Wilson Sales Belchior, sócio de Rocha, Marinho e Sales Advogados e conselheiro federal da OAB, a restrição às liberdades básicos dos cidadãos — como o direito de ir e vir — deve ser sempre observado com cautela.
“No caso do decreto de Pernambuco, a menção às competências previstas nos incisos II e IV do artigo 37 da Constituição Estadual, utilizados como fundamentos, referem-se às disposições genéricas relativas ao exercício da ‘direção superior da administração estadual’ e à competência para sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para a sua fiel execução”, explica.
Daniel Gerber, advogado especialista em gestão de crises, compliance político e empresarial, vê aspectos inconstitucionais no decreto e cita precedente do STF. “Não obstante o STF por meio da liminar deferida pelo ministro Marco Aurélio tenha preservado a competência de municípios e estados para atitudes e ações relativos à saúde pública, não é possível que áreas federais sejam fechadas por ordem de tais agentes”, explica.
O advogado lembra que o desrespeito ao decreto municipal ou estadual acaba gerando o delito do artigo 268 do código penal [que prevê pena de um mês a um ano por Infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa]. “Significa dizer que infelizmente hoje cada município pode ter o seu direito penal próprio que não se aplicam no município vizinho. O que estamos vivendo é a institucionalização do caos na administração pública”, afirma.
Eduardo Tomasevicius Filho, professor de Direito Civil da Faculdade de Direito da USP, por sua vez, lembra que o Código Brasileiro de Trânsito também regula o trânsito de pedestres. “No código de trânsito, a autoridade do Estado pode interditar a via em caráter emergencial. Em questão de segurança, acidentes e por obras que precisam de autorização prévia para dar tempo de reorganizar o fluxo. Assim que está previsto no código de trânsito. No caso, praia é considerada via pública e se interditá-la está interditando a via pública. É possível interpretar como interdição do trânsito para pedestre naquele lugar”, diz.
Já o advogado Pedro Costódio, sócio da Fenelon Costódio Advocacia, pontua que as praias são consideradas bens da União, mas que estados e municípios também têm autoridade. “É importante esclarecer que não se pode confundir a titularidade de um bem com a competência para legislar sobre ele. Sendo assim, é possível que estados e municípios legislem sobre a utilização dessas áreas”, diz.
Por fim, Camila Maria Foltran Lopes, advogada do Rocha Calderon Advogados Associados, especialista em Direito Público, afirma que é competência comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios cuidar da saúde pública, dentro de suas respectivas esferas. “O decreto do governo de Pernambuco consiste em uma ampliação de medidas restritivas previstas em decretos anteriores, indicando a intensificação gradativa das limitações”, explica.
Para advogada, o direito de locomoção é constitucionalmente garantido, mas sua limitação, em diferentes graus, pode ser justificada por um estado de calamidade na exata medida de sua necessidade e eficiência. “Neste contexto, seguir as determinações técnicas das entidades e demais órgãos de saúde pública, sem se afastar do postulado constitucional da razoabilidade e dos princípios da necessidade e eficiência, vai ao encontro das diretrizes de um Estado de Direito”, finaliza.