Rara e migratória: pomba-antártica é registrada no Sul do Brasil

0
652

O mês de junho foi de fortes emoções para muitos observadores de aves do sul do Brasil, entre eles o guia, Raphael Kurz. Durante uma expedição por Rio Grande (RS), em busca da gaivota-de-rabo-preto, ele foi surpreendido com a aparição da pomba-antártica (Chionis albus), ave migratória que habita praias geladas da Península Antártica e migra para a região costeira da Argentina, Uruguai e Sul do Brasil durante o inverno austral.

Apesar da raridade em observar a espécie – que pode passar anos sem aparecer em território brasileiro; o flagrante foi ainda mais especial pelas coincidências que cercam a história. “Essa ave não era registada no Rio Grande do Sul há um bom tempo, até que apareceu em Imbé, no litoral Norte do estado, há uns 20 dias. Todos os observadores de Santa Catarina, Curitiba e região foram até lá, mas eu não fui. Sabia que poderia ser a única chance de observar a espécie, mas algo me dizia que eu encontraria a ave aqui por perto, no sul do Estado”, conta.

Raphael Kurz foi surpreendido pelo flagrante da ave, um dos mais emocionantes da carreira — Foto: Raphael Kurz/VC no TG

Raphael Kurz foi surpreendido pelo flagrante da ave, um dos mais emocionantes da carreira — Foto: Raphael Kurz/VC no TG

E a suspeita se concretizou. “No dia do flagrante eu comentei com meu cliente que gostaria de observá-la, e até acreditava nessa possibilidade, porque a região que estávamos indo tinha bastante pedras e pescadores, mas sabíamos da dificuldade desse registro. Quando posicionamos o carro para ele fazer uma boa foto da gaivota eu gritei ‘a pomba, meu Deus, a pomba!’ Aí deu aquela tremedeira, foi muita emoção”, lembra Raphael, que fez o flagrante na Praia do Cassino, em Rio Grande (RS).

“Não teria graça ir até Imbé para fotografar a pomba, porque todos sabiam que ela estava lá. Aqui foi diferente, foi uma surpresa, ninguém esperava, foi indescritível! Eu fiquei muito feliz porque parece que eu atraí o bicho de tanto que falei sobre ele”, brinca.

Doses de emoção

A profissão de guia de observação de aves evoluiu de uma grande paixão de Raphael pela fotografia de natureza. “No começo era hobbie, pura paixão. Depois que vira trabalho, parece que a magia acaba, ou pelo menos diminui, afinal, vira rotina. Mas essas descobertas fazem a gente reviver aquela emoção, revigoram e dão energia para buscarmos novas espécies”, completa Kurz, que na mesma semana do flagrante observou e fotografou outra ave migratória considerada rara na região, o gaúcho-chocolate (Neoxolmis rufiventris). “Estou com o coração bom: tomei dois sustos em dois dias e estou aqui, firme e forte”.

Pomba-antártica

Apesar do nome popular, a pomba-antártica (Chionis albus) não tem parentesco com pombos e avoantes. Na realidade os parentes mais próximos dessa ave migratória são o quero-quero (Vanellus chilensis), o piru-piru (Haematopus palliatus) e as batuíras.

Com a plumagem predominantemente branca e a pele rosada a espécie é adaptada ao frio, habitando rochedos e praias geladas da Península Antártica. Mas o que justifica a aparição dela no nosso país? O motivo para tal visita em nosso território seria uma “fuga” das temperaturas extremas. “Com a proximidade do rigoroso inverno polar, conforme o frio intenso avança, parte da população migra para as ilhas Malvinas, Terra do Fogo e para a região costeira da Argentina, Uruguai e sul do Brasil”, conta o pesquisador Fernando Jacobs.

Espécie se alimenta de restos de peixes, vísceras e invertebrados — Foto: Raphael Kurz/VC no TG

Espécie se alimenta de restos de peixes, vísceras e invertebrados — Foto: Raphael Kurz/VC no TG

A visita da espécie no Brasil, portanto, não é certeira, mas geralmente ocorre em um período específico. “Aqui a ave pode ser vista especialmente entre abril e agosto, mas é considerada visitante ocasional, podendo passar anos sem aparecer. A primeira vez que a pomba-antártica foi observada em território brasileiro foi em 1973, justamente na praia do Cassino”, detalha. Ele comenta ainda que a aparição da espécie em duas áreas distintas chamou atenção nesse ano.

“Após anos sem ser registrada por aqui a pomba-antártica deu a honra de sua presença em dose dupla. Nos dois locais as aves estavam próximas a pescadores, aproveitando iscas e peixes descartados. Como muitas pessoas registraram as aves, foi possível determinar que são indivíduos diferentes após comparar os bicos, as diferenças quanto à extensão das áreas pretas e as marcas de ranhuras”, diz.

De acordo com Jacobs, a espécie pertence a uma família de apenas dois representantes: a pomba-antártica (Chionis albus) e sua “irmã” Chionis minor, espécie muito parecida que habita ilhas subantárticas ao sul do continente africano.

 

LEAVE A REPLY

Avalie*
Please enter your comment!
Please enter your name here